Após sete anos de espera, Lily Allen finalmente lança seu quinto álbum de estúdio. “West End Girl” foi escrito e produzido em apenas dez dias, e nele a artista narra, em 14 músicas, a história que viveu em seu último casamento com o ator David Harbour. Com produtores como Blue May, Micah Jasper e Kito, Lily documenta as situações que experienciou durante seu relacionamento conturbado e caótico com o ator, trazendo registros de fatos e ficção para a obra, com a intenção de lembrar o quão rigoroso e sensível o ser humano consegue ser.
Com uma pegada mais alt-pop e folk contemporâneo, a artista promete entregar histórias complexas que casais estão sujeitos a enfrentar, principalmente casais de longa data. É um álbum completamente coeso, e nota-se isso ao perceber que o disco foi feito para ser ouvido em sequência, pois a artista trata todas as situações como se estivesse conversando com quem está ouvindo. Podendo ser considerado cru pela exagerada sinceridade de Lily, o disco é direto e pode ser comparado a uma fofoca de um áudio de WhatsApp.

“West End Girl” é a faixa-título. A cantora fala sobre o dia em que recebeu um convite para participar de uma peça em outra cidade, e seu ex-marido, David, questionou se ela era apta o suficiente para ser digna do papel. Nessa canção, ela diz que o ator duvidou da capacidade dela e que, enquanto viajava, sentiu que ele estava a traindo. Essa faixa é uma completa loucura no sentido mais positivo possível. A storyline criada, a ligação ao chegar no fim da música, tudo é muito bem pensado. É uma ótima abertura de álbum e já é uma certeza de que os ouvintes não estão preparados para o que vem pela frente.
A segunda faixa do disco é “Ruminating”, com um som baseado em club house e autotune escancarado para demonstrar a confusão que ela estava passando. A artista retrata o exato momento em que começa a suspeitar da traição. Ela passou noites em claro com pensamentos torturantes, na espera de que David fizesse algo que comprovasse que ela estava errada. É um loop mental de perguntas dolorosas, para as quais ela nem teve respostas. Não é uma das mais fortes do álbum, mas é uma música em que a artista consegue ser certeira sobre o que queria fazer.
“Sleepwalking”, diferente da anterior, já volta para um alt-pop mais calmo, quase synth. Nessa canção, ela está visivelmente machucada e ainda fala que se submeteu a todas as loucuras do ex-marido. É como se fosse uma discussão de madrugada entre os dois, mas sem tom agressivo. Aqui, ela sente a falta de intimidade, amor e fidelidade entre ambos, e isso é tão cansativo que começa a se sentir culpada por toda essa situação.

Na quarta faixa, temos “Tennis” e particularmente o ponto mais alto do álbum. Um pop alternativo que revela tensão mesmo sendo calmo sonoramente. Com um leve tom ácido, Lily começa a questionar David sobre as saídas constantes dele para jogar tênis (título da música). No diálogo que a artista tem com o parceiro, há a descrição de um cenário em que Lily está na cozinha colocando toda a mentira do ator na mesa e é ali que ela descobre o nome da possível amante: “Madeline”. Agora, ela passa o resto da música inteira perguntando a ele: “quem diabos é Madeline?”.
Seguindo a história, a quinta faixa é “Madeline”. Considerada art pop e trip-hop, é a faixa em que ela descobre de fato a traição, cheia de raiva e totalmente incrédula. Ao escutar a música, um tom acelerado toma conta de Lily, e o desespero dela ao ligar para a amante de David é totalmente perceptível. Aqui, ela busca respostas sobre quem, de fato, era Madeline. Na ligação, a amante fala que o ator sempre se referia a Lily com respeito e que o caso entre eles era apenas sexo. A parte mais triste e cruel dessa música é quando Lily pergunta na ligação se David já disse alguma vez que a amava, como se ainda estivesse na ilusão de que o relacionamento tivesse salvação.
Agora temos a sexta faixa do álbum, “Relapse”, com uma produção mais dark electronic e bases de trip-hop. Aqui, ela aborda temas sobre autodestruição e colapso mental. Buscando uma forma de anestesia, ela encontra isso nas drogas e na bebida (meios aos quais ela já estava “acostumada”, pois a artista já foi viciada em ambas).

“Pussy Palace” é a sétima faixa, também a mais comentada do álbum com um som electropop alternativo. Nessa canção, ela retrata o dia em que ligou para David dizendo que não queria mais saber dele. Ela decidiu ir ao apartamento dele deixar alguns pertences e, quando chegou lá, deparou-se com a maior presepada: cartas de outras mulheres, brinquedos sexuais, lubrificantes, roupas femininas e até cabelo. Daí, ela tirou a conclusão de que ele era viciado em sexo e que o apartamento era, na verdade, um puteiro.
“4chan Stan” é focada em um electropop com misturas de hip-hop alternativo. Aqui, ela o confronta mais uma vez sobre as traições e mentiras de forma irônica e raivosa. Na faixa, ela o compara a um apoiador de 4chan, basicamente um incel que só usa mulheres para sexo. É uma canção que lembra bastante algo que M.I.A. ou até Charli XCX fariam.
“Nonmonogamummy” é a nona faixa, com mistura de trip-hop e dancehall. Nessa música, ela faz uma reflexão honesta e irônica sobre o desgaste que sofreu no relacionamento e sobre como a ideia de não monogamia pode parecer uma solução.
“Just Enough” é mais uma canção sobre a negligência dele como marido e homem da casa. É a décima faixa e fala sobre como ela o colocava no topo da vida dela e questiona em que lugar ele a colocava no “ranking” dele. É como se ela tivesse “investido” tanto nele que agora percebe que falhou. É uma balada que traz as consequências de ter descoberto tardiamente a verdade.

Quase no final do disco, temos “Dallas Major”. Aqui, é quase uma faixa de aceitação sobre o rumo que o relacionamento tomou. Ela também descreve o conflito interno de ter quase 40 anos, ser mãe de adolescentes e ainda estar sujeita a essa palhaçada toda.
“Beg for Me” é uma faixa pop alternativa, com raízes de synth-pop e electropop. Nessa canção, ela narra os desejos não correspondidos e como a indiferença dele a machuca e a deixa cansada. É o momento em que ela sente pena de si mesma por ter se submetido a isso e por ainda esperar um posicionamento de David sobre tudo.

“Let You W/in” é a penúltima faixa do álbum, com um som que parece quase uma balada puxada para o alternativo. Aqui, ela conta sobre recuperar o controle de si mesma, da própria narrativa, dizendo que cansou de carregar uma responsabilidade que não era dela. Agora sozinha, sofre em silêncio para tentar reduzir os danos que o relacionamento causou em sua vida.
E, para fechar o álbum, temos “Fruityloop”, com um synth-pop alternativo. É a canção que de fato decreta que é hora de colocar um fim nesse ciclo emocional desgastante. Ela fala que não cabe mais a ela consertar algo que não tem solução. Lily também diz que David é uma criança procurando por afeto materno para não cumprir com suas responsabilidades.

Pessoalmente, é um álbum que vai ao pé da letra, e o tom cru e direto que ele tem é o que o torna tão grandioso. De fato, é um disco cuja experiência precisa ser em sequência porque as faixas não funcionam sozinhas, com exceção de “Pussy Palace”.
O disco foi trabalhado em apenas duas semanas, o que pode ter sido um dos motivos de o álbum não ter atingido a perfeição. Algumas faixas parecem ter sido afetadas no acabamento por conta do curto período, mas isso não é suficiente para odiar o álbum.
Em “West End Girl”, Lily Allen abre o coração como nunca antes. O álbum é quase um diário sonoro, pois ela fala sobre o fim de um casamento, traição, dor e tudo o que vem depois de ver seu relacionamento desabar. Mas o mais impressionante é que ela faz isso sem se vitimizar nem buscar vingança, apenas sendo sincera sobre seus sentimentos. Lily trouxe toda a sua dor e a transformou em arte. É um trabalho sensível e corajoso, diante de tudo que ela passou. Ela poderia muito bem ter se afundado no que mais teme que são as drogas, mas ousou colocar em mente que é maior que tudo isso, e que tem a capacidade de transformar sua decepção em composição e criação.


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